Dano Moral Decorrente de Acidente do Trabalho

Após confirmada pelo Supremo Tribunal Federal a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o pedido de indenização por dano moral decorrente do acidente de trabalho, importa mencionar a mais recente visão do alcance da responsabilidade do empregador pelo prejuízo sofrido pelo empregado.

Com o surgimento da Constituição Federal de 1988, abriu-se uma nova perspectiva apoiada no princípio da dignidade da pessoa humana, à luz do qual impõese a adequação do ordenamento jurídico infraconstitucional.

Isso não exige a necessidade da elaboração de novas leis, mas de se dar um novo enfoque aos dispositivos existentes até então, sobrelevando a dignidade da pessoa e, ao mesmo tempo, calcando a elaboração legislativa nesse patamar mínimo de valorização dos direitos humanos.

Essa tendência ideológica inaugurada pela “Constituição Cidadã” é bem observada nos diplomas legais surgidos após outubro de 1988, notadamente o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil. O CDC inovou com a possibilidade de concretização desse princípio, ao tornar efetivos direitos até então obscuros e de difícil reparação, ao tempo em que consagrou a responsabilidade objetiva do fornecedor, enquanto que o novo Código Civil, embora mantendo a responsabilidade subjetiva como regra geral, admitiu e ampliou a incidência da teoria da responsabilidade objetiva, no parágrafo único do arts. 927, de seguinte teor:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, é obrigado a
repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Depreende-se do precitado dispositivo legal que há duas hipóteses expressamente previstas em que prescinde de culpa a responsabilização do autor do dano: nos casos especificados em lei e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”.

A primeira delas remete a configuração da responsabilidade objetiva à previsão expressa em lei, como ocorre no dano causado ao meio ambiente previsto no art. 14, § 1º da Lei nº 6938/81.

A segunda hipótese é que representa excepcional inovação ao instituir que é objetiva a responsabilidade decorrente de dano conseqüente da natureza da atividade que põe em risco direito alheio. É o que doutrinariamente tem sido nomeado de “Teoria do Risco Criado”.

A intenção do legislador demonstra, com inequívoca clareza, a necessidade de harmonizar o instituto da responsabilidade civil ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao ampliar a órbita de incidência do direito de ressarcimento dos danos injustamente causados, aos direitos assegurados à manutenção desse patamar mínimo de dignidade indispensável, porque ínsito ao ser humano.

Nessa ordem de idéias, resta indagar se o parágrafo único do art. 927, “in fine”, aplicar-se-ia ao dano moral decorrente do acidente de trabalho quando ocorrido em razão de risco criado pela atividade do empregador.

É certo que a Constituição Federal, à primeira vista, estatuiu que a responsabilidade do empregador é subjetiva, entendida como tal aquela que depende de prova do dolo ou da culpa do autor do dano:

“Art. 7º...

XXVIII-seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
(grifo nosso).

A teor do que dispõe o texto, a conclusão que ainda prevalece, doutrinária e jurisprudencialmente, é a de que ainda que a atividade desenvolvida pelo empregador exponha o empregado a risco de dano, a responsabilização nesse caso é subjetiva, em razão de que a lei ordinária não se sobrepõe à norma constitucional, que assim prevê expressamente.

Contudo, tal raciocínio implica situação inusitada: se em razão da atividade de risco do empregador, surge um dano causado a terceiro, perante este o dono do estabelecimento responde objetivamente, porém, perante os empregados somente haveria responsabilização se provado dolo ou culpa do autor do dano.

Acerca da amplitude da Teoria do Risco Criado e à possibilidade de sua aplicação ao dano decorrente do acidente de trabalho, importa mencionar recente artigo publicado por Flávio Tartuce, Professor de Direito Civil e Advogado, no qual ele menciona o posicionamento do não menos ilustre magistrado trabalhista Rodolfo Pamplona:

“....
Dúvidas pairam no ar em relação à expressão ‘risco criado’ constante no comando acima visualizado, defendendo alguns autores, diante da nova codificação, a possibilidade de doutrina e jurisprudência trazerem casos de responsabilidade objetiva, tese com a qual concordamos.

Dentro dessa ordem, cabe transcrever a interpretação dada ao dispositivo pelo corpo de juristas integrantes do grupo de trabalhos da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, a quem coube interpretar e enunciar sobre tal artigo:

Enunciado nº 38 – Art. 927. a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade’.

E é justamente esse entendimento que procuraremos explorar, já que ao nosso ver, haverá a possibilidade de o aplicador do Direito considerar a responsabilidade do empregador como de natureza objetiva, por desrespeito às normas de trabalho, quando houver riscos criados ao empregado.

A matéria de responsabilidade civil do empregador, pretensiosamente, está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, com regra pela qual é assegurado ao trabalhador ‘seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa’.

Por muito tempo tem-se sustentado que tal dispositivo traz a responsabilidade subjetiva do patrão como regra geral, em casos de desrespeito às normas de segurança e medicina do trabalho, entendimento este que vem sendo acompanhado pela doutrina e jurisprudência.

Entretanto, entendemos que, com a emergência do Novo Código Civil, poderá o magistrado, dependendo do caso concreto, apontar para a responsabilidade objetiva do empregador quando houver claros riscos criados ao empregado, pela regra contida no parágrafo único do artigo 927.

Em artigo recentemente publicado, o doutrinador Rodolfo Pamplona Filho expõe muito bem que não é tão simples apontar, ‘às cegas’, que a responsabilidade civil do empregador dependerá do elemento culpa em todos os casos, concluindo o jurista baiano:

De fato, não há como se negar que, como regra geral, indubitavelmente a responsabilidade civil do empregador, por danos decorrentes de acidente de trabalho, é subjetiva, devendo ser provada alguma conduta culposa de sua parte, em alguma das modalidades possíveis, incidindo de forma independente do seguro acidentário, pago pelo Estado.

Todavia, parece-nos inexplicável admitir a situação de um sujeito que:

  • Por força de lei, assume os riscos da atividade econômica;
  • Por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria natureza, em risco para os direitos de outrem), responde objetivamente pelos danos causados;
  • Ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito subjetivo de somente responder, pelos seus atos, se os hipossuficientes provarem culpa...

A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente.

Desculpe-nos, mas é muito para nosso fígado’."

Interessante o seu parecer, inclusive pelo que prevê o Novo Código Civil quanto à responsabilidade do empregador ou patrão por ato do seu empregado, de natureza objetiva, conclusão retirada da simples leitura dos artigos 932, inciso II, e 933 da Lei nº 10.406/2002.

A Teoria do Risco Criado vem atender à lógica do direito, como bem posto pelo Magistrado Trabalhista citado no artigo supra, pelo que escapa ao razoável dizer-se que o empregador é objetivamente responsável pelos danos que o seu empregado vier a causar a outrem, e não o seja em relação aos danos que vier a causar diretamente ao empregado ao impor-lhe atividade sujeita a risco.

A questão merece ser melhor debatida, mas ao menos em um primeiro momento, entendo que é necessário compatibilizar o preceito constitucional, que institui a regra geral da responsabilidade subjetiva do empregador, com a Teoria do Risco Criado, aplicável somente àquelas hipóteses em que o acidente decorreu do desempenho de atividade de risco, nos moldes do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, até mesmo por igualmente constar do elenco dos direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal, XXII, “ a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Concluo que, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, em se tratando de atividade de risco, deve o empregador responder objetivamente pelos danos causados aos empregados, enquanto que nas demais atividades, imprescindível será a prova da culpa ou do dolo na configuração da responsabilidade civil.

CDC CNA ADVOCACIA