Prescrição do dano moral no Direito do Trabalho - Um novo enfoque

Os direitos da personalidade têm como características, entre outras, a imprescritibilidade. Isto quer dizer que, não obstante a inércia do seu titular quanto ao exercício de um desses direitos, pode o mesmo, a qualquer tempo, reivindicar a sua efetivação. Assim, a possibilidade de exercício dos direitos da personalidade jamais prescreve. O que prescreve é a pretensão à reparação dos danos causados a esses direitos, após certo lapso de tempo previsto em lei.

Com efeito, a questão do prazo prescricional a ser aplicado com relação à pretensão judicial inerente aos pleitos reparatórios de dano moral na Justiça do Trabalho tem gerado controvérsias. Indaga-se, pois, se o prazo é o referente aos créditos trabalhistas, de cinco anos durante o contrato de trabalho, até dois após a extinção deste (CF, art. 7º, inciso XXIX) ou o previsto no Código Civil - de vinte anos na vigência do Código de 1916 (art. 177) e de três ou de dez anos na vigência do Código de 2002 (arts. 205 e 206, § 3º, inciso V, respectivamente). Tais indagações aplicam-se, igualmente, às pretensões de danos moral, material e estético decorrentes de acidentes de trabalho, como espécies do gênero dano pessoal.
Sobre o tema há duas correntes de opinião: uma que entende ser aplicável a prescrição trabalhista (prevista no art. 7º, inciso XXIX da Constituição Federal), em face do reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar tal pedido. A segunda corrente sustenta que a prescrição é a civil, porque mesmo praticado o dano em decorrência da relação de emprego e, em conseqüência, sendo a Justiça do Trabalho a competente para julgar os pedidos respectivos, trata-se de uma ação de caráter pessoal e, portanto, aplicáveis as normas do Código Civil brasileiro.
Os argumentos de quem defende a prescrição trabalhista, em regra, têm-se assentado no reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar os pedidos de tais reparações. Esses argumentos, com o devido respeito, não resistem a uma análise mais aprofundada. Como sabido, o prazo prescricional para o exercício de uma pretensão não se fixa levando em conta a competência do juízo para conhecer do pedido respectivo. A prescrição decorre da natureza do direito material discutido, independentemente do órgão do Judiciário que deva apreciar o litígio.
Ao tratar da prescrição trabalhista, a Constituição Federal (art. 7º, inciso XXIX) refere-se a "créditos resultantes das relações de trabalho". Entretanto, a reparação do dano moral, mesmo praticado em face da relação de emprego, não constitui crédito trabalhista stricto sensu. Aliás, nem de crédito se trata, quanto mais de crédito trabalhista.
Por outro lado, é certo que na Justiça do Trabalho não se aplicam apenas normas de caráter estritamente trabalhista, como decorre da disposição do artigo 8º da CLT, estando o Juiz do trabalho autorizado, na falta de disposições legais ou contratuais trabalhistas, a decidir de acordo com a jurisprudência, por analogia, por eqüidade, e outros princípios e normas gerais de Direito e até com base no Direito comparado. Nesse sentido, é o entendimento do STF, que, em decisão histórica, analisando pela primeira vez o artigo 114 da Constituição, estabeleceu que, "À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho".
Com efeito, a sede legal do direito à reparação por danos morais e materiais por ofensa aos direitos da personalidade está no artigo 5º, incisos V e X da Constituição.
Como se infere da ementa antes transcrita, não é a natureza da matéria que determina a competência da Justiça do Trabalho, como também não é a competência material que fixa o prazo prescricional de uma ação. A prescrição é instituto de direito material, enquanto que a competência pertence ao direito processual. Logo, o argumento da competência da Justiça laboral é insuficiente para justificar a aplicação da prescrição trabalhista ao dano moral no Direito do Trabalho.
Com efeito, há exemplo na Justiça do Trabalho em que o prazo prescricional não é o trabalhista. É o caso do não recolhimento do FGTS, sobre o que entendem os tribunais que o prazo prescricional para se reclamar a sua regularização é trintenário, como consta do parágrafo 5º do artigo 23 da Lei 8.036/90 ("O processo de fiscalização, de atuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto do Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária") e reconhece o Enunciado 362/TST ("É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho". Igualmente entendem o STF e o STJ que o Fundo de Garantia tem natureza de contribuição social, cuja ação de cobrança das contribuições somente prescreve em 30 anos.
Outro caso em que não se aplica a prescrição qüinqüenal trabalhista diz respeito à complementação de aposentadoria assegurada pelo empregador em contratação coletiva, ao longo da relação de emprego, para ser usufruída após a aposentação, quando a ação para pleitear as diferenças correspondentes pode ser ajuizada a qualquer tempo, mesmo depois do prazo bienal posterior à rescisão contratual. Os dois casos citados, de prescrição com prazos diferentes dos trabalhistas, são aplicados normalmente na Justiça do Trabalho, sem problema.
No Direito do Trabalho, pelas suas peculiaridades, o estudo da prescrição merece enfoque norteado no princípio protecionista, ante a insuficiência econômica do trabalhador e a subordinação do mesmo diante do empregador. Essas peculiaridades, como é basilar, impedem-no de reclamar os direitos violados durante a vigência do contrato de trabalho, pelo receio que tem o obreiro de perder o emprego. Esse receio ainda permanece mesmo depois da rescisão do contrato, pelas conseqüências advindas de uma informação desabonadora nas referências dadas pelo antigo empregador.
A propósito do tema, é oportuno lembrar o escólio de Délio Maranhão: "Ao direito do empregador de dirigir e comandar a atuação concreta do empregado corresponde o dever de obediência por parte deste; ao direito de controle correspondem os deveres de obediência, diligência e fidelidade".
Nesse sentido, preleciona José Luiz Ferreira Prunes que "este conjunto de fatos que levam a se afirmar a subordinação, fazem com que se possa entender que é ela de tal porte e intensidade que o assalariado não tem liberdade de bater às portas do Judiciário em procura de justiça e de seus direitos, pois estaria em posição inferior ao empregador; também até o temor de represálias poderia se agregar a não poucas situações concretas".
O fundamento da prescrição é a inércia ou negligência do credor ou titular da pretensão, no exercício, em tempo certo, da ação correspondente. Mas como é notório, não se pode falar em inércia ou negligência quando o trabalhador deixa de reclamar algum direito durante a relação de emprego, muito menos na presunção de abandono do direito, que, por óbvio, é incompatível com o seu estado de hipossuficiência econômica.
No Direito do Trabalho, embora existam razões de sobra, o legislador brasileiro não adotou quaisquer causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, como ocorre no Direito Civil (art. 197 e seguintes do Código Civil). Daí porque nada impede, mas ao contrário, aconselha-se, deva o intérprete procurar amenizar os critérios legais para favorecer o trabalhador em obediência aos princípios do Direito do Trabalho, especialmente adotando a norma mais benéfica ao autor da demanda, porque é inaceitável falar-se em inércia do trabalhador que na vigência do contrato de trabalho deixa de reclamar direitos violados.
Desse modo, o instituto da prescrição no Direito do Trabalho deve ser visto levando-se em conta os princípios e peculiaridades que cercam esse ramo especial do Direito, e, em particular, a hipossuficiência e a subordinação do trabalhador perante o empregador. Na esfera trabalhista, diferentemente dos outros ramos da Ciência Jurídica, a interpretação deve ser feita em favor do trabalhador hipossuficiente e não contra o mesmo. Aliás, é da essência do Direito que toda interpretação deva ser feita em favor daquele a quem a norma legal visa proteger.
De acordo com o princípio da norma mais favorável, vigorante no Direito do Trabalho, diante de várias normas, mesmo provenientes de diferentes fontes, aplica-se sempre a que for mais favorável ao trabalhador, como ensina Amauri Mascaro Nascimento e é princípio assente internacionalmente: "Ao contrário do Direito comum, em nosso direito, a pirâmide, que entre as normas se forma, terá como vértice não a Constituição Federal ou as convenções coletivas de modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador, dentre as diferentes em vigor. Esse princípio só não se aplica quando houver norma proibitiva do Estado tratando da questão".
A posição do TST sobre o tema está dividida. A Subseção II daquela Corte aplicou a prescrição trabalhista, entendendo que se a postulação da indenização por danos morais é feita na Justiça do Trabalho, não há como se pretender aplicação do prazo de prescrição vintenária, porque o ordenamento jurídico trabalhista possui prazo próprio. A ementa do acórdão está assim redigida:


AÇÃO RESCISÓRIA. NÃO-OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE LEI - DANO MORAL. PRESCRIÇÃO.
Carece de respaldo legal a pretensão obreira de rescisão de decisão que extingue reclamatória postulando danos morais, decorrentes do reconhecimento da não-caracterização de ato de improbidade, por ocorrência de prescrição, dada a não-configuração de violação do art. 177 do CC, uma vez que: a) a lesão à boa fama e à imagem do Empregado surgiu com a dispensa, tida como motivada, e não com o reconhecimento, em juízo, da inocência do Reclamante e da ausência de justa causa da dispensa, razão pela qual deveria haver, na primeira reclamatória, cumulação de pedidos, relativos às verbas rescisórias e à indenização por dano moral, já que, pelo princípio da actio nata, o prazo prescricional começa a fluir da data em que ocorrida a lesão ao direito do Autor; b) se a postulação da indenização por danos morais é feita na Justiça do Trabalho, sob o fundamento de que a lesão decorreu da relação de trabalho, não há como se pretender a aplicação do prazo prescricional de 20 anos, referente ao Direito Civil (CC, art. 177), quando o ordenamento jurídico-trabalhista possui prazo prescricional unificado de 2 anos, a contar da ocorrência da lesão (CF, art. 7º, XXIX; CLT, art. 11); e c) Não há que se falar em interrupção da prescrição pelo ajuizamento da primeira reclamatória, tendo em vista que, por não versar sobre o dano moral, não demonstrou a ausência de passividade do Empregado em relação à pretensa lesão sofrida em sua honra e imagem" (PROC. TST-ROAR - 39274/2002-900-03-00; SDI-II, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DJU de 13/12/2002).


Entendimento diverso adota a Subseção I, reconhecendo a prescrição vintenária do Código Civil de 1916, assentando que mesmo sendo a Justiça do Trabalho competente para julgar tal litígio, o prazo prescricional é o civil, porque o direito pleiteado não tem natureza trabalhista. Eis a ementa do acórdão:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO.
 Observada a natureza civil do pedido de reparação por danos morais, pode-se concluir que a indenização deferida a tal título em lide cujo trâmite se deu na Justiça do Trabalho, não constitui crédito trabalhista, mas crédito de natureza civil resultante de ato praticado no curso da relação de trabalho. Assim, ainda que justificada a competência desta Especializada para processar a lide não resulta daí, automaticamente, a incidência da prescrição trabalhista. A circunstância de o fato gerador do crédito de natureza civil ter ocorrido na vigência do contrato de trabalho, e decorrer da prática de ato calunioso ou desonroso praticado por empregador contra trabalhador não transmuda a natureza do direito, uma vez que o dano moral se caracteriza pela projeção de um gravame na esfera da honra e da imagem do indivíduo, transcendendo os limites da condição de trabalhador do ofendido. Dessa forma, aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 177 do Código Civil, em observância ao art. 2028 do novo Código Civil Brasileiro, e não o previsto no ordenamento jurídico-trabalhista, consagrado no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal. Embargos conhecidos e providos" (PROC. TST-E-RR - 08871/2002-900-02-00.4; SDI-I, Relator Ministro Lélio Bentes Corrêa, DJU de 05/03/2004).


Com a alteração nos prazos de prescrição pelo Código Civil de 2002, para dez anos quando a lei não haja fixado prazo menor (art. 205) e de três anos para as pretensões de reparação civil (art. 206, § 3º, inciso V), a situação torna-se mais complexa e exige reflexão mais profunda.
Como o atual Código Civil encurtou os prazos prescricionais, parece, à primeira vista, mais interessante a prescrição trabalhista. Assim, se diz que a partir do Código Civil de 2002 o prazo prescricional de 3 anos, conforme o caso, será menos favorável ao trabalhador do que os prazos trabalhistas estabelecidos na Constituição Federal (art. 7º, inciso XXIX), de cinco anos durante o contrato de trabalho, até dois anos após a extinção deste.
Na doutrina sustenta José Alberto Couto Maciel, que "a pretensão a uma reparação por dano moral não decorre do Código Civil, mas sim da Constituição em seu art. 5º, incisos V e X. Como parte dos direitos e garantias fundamentais, este direito à indenização por dano à moral, anteriormente não disposto da forma atual no texto constitucional, era usado na área civil, não sendo um direito do trabalhador, nem sendo competente a Justiça do Trabalho para julgá-lo. Tratava-se de uma reparação de índole civil, não estendida ao Direito do Trabalho". Assim, sustenta Maciel que o direito à reparação por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro constitui atualmente um direito constitucional trabalhista, quando praticado em decorrência da relação de emprego.
O argumento é forte e interessante, mas não convincente para a finalidade a que se presta, data vênia. Se fosse assim, passar-se-ia a aplicar a prescrição qüinqüenal ao FGTS, porque consta o mesmo da Constituição como direito do trabalhador (art. 7º, inciso III).
Com efeito, o prazo prescricional a ser aplicado, no caso, deve ser o do Código Civil, de vinte anos durante a vigência do Código Civil de 1916. Na vigência do atual Código, surge, então, uma indagação: se o prazo é de 10 anos (art. 205) ou de 3 (art. 206, § 3º, inciso V). Este último prazo refere-se expressamente à pretensão de reparação civil e o primeiro à reparação de danos quando a lei não haja fixado prazo menor ou, de outra forma, quando inexistente previsão legal expressa sobre o assunto. É exatamente a hipótese vertente. Como já aludimos, não se está a tratar de um "crédito trabalhista". Igualmente não se cuida de uma pretensão de reparação civil stricto sensu, envolvendo dano patrimonial material. Estamos a falar de direitos humanos fundamentais decorrentes da violação dos direitos da personalidade (integridade física e psíquica, intimidade, vida privada, dor, vergonha, honra, imagem das pessoas etc.), a quem a Constituição Federal, pela primeira vez, assegurou o direito à indenização pelo dano material ou moral pertinente. Como é certo, os direitos da personalidade têm como uma de suas características a imprescritibilidade. Não se trata de meros direitos trabalhistas ou civis, no sentido estrito, mas de direitos de índole constitucional-fundamental, considerados como cláusulas pétreas protegidas até mesmo contra o legislador constituinte (CF, art. 60, § 4º, inciso IV). Os danos decorrentes, no caso, são pessoais, não se lhe aplicando, por isso, o prazo de 3 anos (CC, art. 206, § 3º, inciso V), o qual se refere às reparações civis inerentes aos danos causados ao patrimônio material. O dano pessoal, ao contrário, atinge a pessoa humana nas suas diversas facetas.
No caso dos acidentes de trabalho, por exemplo, os danos causados (materiais, morais e estéticos) são pessoais, com prejuízo à vida, à saúde física e/ou psíquica, à imagem, à intimidade etc. do cidadão trabalhador, porquanto assegura a Constituição Federal, como fundamentos da República Federativa do Brasil e da livre iniciativa, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, o trabalho com qualidade e o respeito ao meio ambiente (arts. 1º e 170), além de assegurar a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXIII).
Portanto, se não se trata de direito de natureza trabalhista e nem civil e, como não existe qualquer dispositivo legal regulando de outra forma o prazo de prescrição para as pretensões decorrentes dos danos à pessoa (moral, material e estético), por exclusão aplica-se o prazo geral de 10 anos, como previsto no artigo 205 do Código Civil. A norma civil está sendo aplicada, repita-se, não porque se trate de uma pretensão de reparação civil no sentido estrito, mas porque é a lei civil que socorre nos casos de omissão regulatória sobre a prescrição no Direito brasileiro, ou seja, quando não há prazo expresso de prescrição sobre determinado dano, aplica-se o geral, de 10, previsto no artigo 205 do CC.
Esclareça-se, por necessário, que o novo prazo de 10 anos aplica-se apenas às ofensas perpetradas a partir da vigência do Código Civil de 2002, que se deu em 10 de janeiro de 2003. Para os danos ocorridos até o dia 09/01/2003 continuam sendo aplicadas as regras da prescrição do Código anterior, com prazo de vinte anos, de acordo com as normas do artigo 2.028 do novo Código, que estabeleceu regras de transição para os novos prazos prescricionais e decadenciais, dizendo:
"Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".
São duas situações independentes:
a) A primeira, trata dos prazos reduzidos pela lei nova, que continuarão sendo aqueles fixados no Código anterior, com relação às ofensas ocorridas na sua vigência, que é o caso da prescrição do dano moral, que antes era de vinte anos (art. 177 do CC/1916) e agora foi reduzido para dez anos (art. 205 do CC de 2002);
b) A segunda, trata da hipótese do prazo aumentado, que na data de entrada em vigor do novo Código já tenha transcorrido mais da metade, quando, então, aplica-se por inteiro o prazo da lei anterior. Observa-se que o legislador visou proteger o credor em razão do encurtamento dos novos prazos prescricionais, mandando aplicá-los somente depois de transcorrido por inteiro o prazo da lei nova para as ofensas perpetradas até a entrada em vigor do novo diploma legal.
Interpretando a nova disposição transitória do aludido artigo 2.028, escreveu Fabrício Zamprogna Matiello que o artigo em exame trata de duas situações distintas:
a) prevalência do prazo da lei anterior quando reduzido por este Código Civil;
b) aplicação do prazo do Código Civil antigo quando, ao entrar em vigor o novo, mais da metade do tempo previsto na lei revogada tiver fluído.
* Esta segunda hipótese vale apenas para os casos de prazos aumentados, que não é a hipótese em discussão.
Do quanto exposto conclui-se que a reparação por danos pessoais (moral, material e estético) constitui direito humano fundamental de índole constitucional e não mero direito de natureza trabalhista ou civil. Desse modo, por inexistir norma expressa sobre o prazo de prescrição das respectivas pretensões, aplicam-se subsidiariamente os prazos previstos na lei civil: vinte anos para as ofensas ocorridas até 09/01/2003 (CC de 1916, art. 177) e 10 para aquelas perpetradas a partir de 10/01/2023 (CC de 2002, art. 205).

Dano Moral Decorrente de Acidente do Trabalho

Após confirmada pelo Supremo Tribunal Federal a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o pedido de indenização por dano moral decorrente do acidente de trabalho, importa mencionar a mais recente visão do alcance da responsabilidade do empregador pelo prejuízo sofrido pelo empregado.

Com o surgimento da Constituição Federal de 1988, abriu-se uma nova perspectiva apoiada no princípio da dignidade da pessoa humana, à luz do qual impõese a adequação do ordenamento jurídico infraconstitucional.

Isso não exige a necessidade da elaboração de novas leis, mas de se dar um novo enfoque aos dispositivos existentes até então, sobrelevando a dignidade da pessoa e, ao mesmo tempo, calcando a elaboração legislativa nesse patamar mínimo de valorização dos direitos humanos.

Essa tendência ideológica inaugurada pela “Constituição Cidadã” é bem observada nos diplomas legais surgidos após outubro de 1988, notadamente o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil. O CDC inovou com a possibilidade de concretização desse princípio, ao tornar efetivos direitos até então obscuros e de difícil reparação, ao tempo em que consagrou a responsabilidade objetiva do fornecedor, enquanto que o novo Código Civil, embora mantendo a responsabilidade subjetiva como regra geral, admitiu e ampliou a incidência da teoria da responsabilidade objetiva, no parágrafo único do arts. 927, de seguinte teor:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, é obrigado a
repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Depreende-se do precitado dispositivo legal que há duas hipóteses expressamente previstas em que prescinde de culpa a responsabilização do autor do dano: nos casos especificados em lei e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”.

A primeira delas remete a configuração da responsabilidade objetiva à previsão expressa em lei, como ocorre no dano causado ao meio ambiente previsto no art. 14, § 1º da Lei nº 6938/81.

A segunda hipótese é que representa excepcional inovação ao instituir que é objetiva a responsabilidade decorrente de dano conseqüente da natureza da atividade que põe em risco direito alheio. É o que doutrinariamente tem sido nomeado de “Teoria do Risco Criado”.

A intenção do legislador demonstra, com inequívoca clareza, a necessidade de harmonizar o instituto da responsabilidade civil ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao ampliar a órbita de incidência do direito de ressarcimento dos danos injustamente causados, aos direitos assegurados à manutenção desse patamar mínimo de dignidade indispensável, porque ínsito ao ser humano.

Nessa ordem de idéias, resta indagar se o parágrafo único do art. 927, “in fine”, aplicar-se-ia ao dano moral decorrente do acidente de trabalho quando ocorrido em razão de risco criado pela atividade do empregador.

É certo que a Constituição Federal, à primeira vista, estatuiu que a responsabilidade do empregador é subjetiva, entendida como tal aquela que depende de prova do dolo ou da culpa do autor do dano:

“Art. 7º...

XXVIII-seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
(grifo nosso).

A teor do que dispõe o texto, a conclusão que ainda prevalece, doutrinária e jurisprudencialmente, é a de que ainda que a atividade desenvolvida pelo empregador exponha o empregado a risco de dano, a responsabilização nesse caso é subjetiva, em razão de que a lei ordinária não se sobrepõe à norma constitucional, que assim prevê expressamente.

Contudo, tal raciocínio implica situação inusitada: se em razão da atividade de risco do empregador, surge um dano causado a terceiro, perante este o dono do estabelecimento responde objetivamente, porém, perante os empregados somente haveria responsabilização se provado dolo ou culpa do autor do dano.

Acerca da amplitude da Teoria do Risco Criado e à possibilidade de sua aplicação ao dano decorrente do acidente de trabalho, importa mencionar recente artigo publicado por Flávio Tartuce, Professor de Direito Civil e Advogado, no qual ele menciona o posicionamento do não menos ilustre magistrado trabalhista Rodolfo Pamplona:

“....
Dúvidas pairam no ar em relação à expressão ‘risco criado’ constante no comando acima visualizado, defendendo alguns autores, diante da nova codificação, a possibilidade de doutrina e jurisprudência trazerem casos de responsabilidade objetiva, tese com a qual concordamos.

Dentro dessa ordem, cabe transcrever a interpretação dada ao dispositivo pelo corpo de juristas integrantes do grupo de trabalhos da 1ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, a quem coube interpretar e enunciar sobre tal artigo:

Enunciado nº 38 – Art. 927. a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade’.

E é justamente esse entendimento que procuraremos explorar, já que ao nosso ver, haverá a possibilidade de o aplicador do Direito considerar a responsabilidade do empregador como de natureza objetiva, por desrespeito às normas de trabalho, quando houver riscos criados ao empregado.

A matéria de responsabilidade civil do empregador, pretensiosamente, está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, com regra pela qual é assegurado ao trabalhador ‘seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa’.

Por muito tempo tem-se sustentado que tal dispositivo traz a responsabilidade subjetiva do patrão como regra geral, em casos de desrespeito às normas de segurança e medicina do trabalho, entendimento este que vem sendo acompanhado pela doutrina e jurisprudência.

Entretanto, entendemos que, com a emergência do Novo Código Civil, poderá o magistrado, dependendo do caso concreto, apontar para a responsabilidade objetiva do empregador quando houver claros riscos criados ao empregado, pela regra contida no parágrafo único do artigo 927.

Em artigo recentemente publicado, o doutrinador Rodolfo Pamplona Filho expõe muito bem que não é tão simples apontar, ‘às cegas’, que a responsabilidade civil do empregador dependerá do elemento culpa em todos os casos, concluindo o jurista baiano:

De fato, não há como se negar que, como regra geral, indubitavelmente a responsabilidade civil do empregador, por danos decorrentes de acidente de trabalho, é subjetiva, devendo ser provada alguma conduta culposa de sua parte, em alguma das modalidades possíveis, incidindo de forma independente do seguro acidentário, pago pelo Estado.

Todavia, parece-nos inexplicável admitir a situação de um sujeito que:

  • Por força de lei, assume os riscos da atividade econômica;
  • Por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria natureza, em risco para os direitos de outrem), responde objetivamente pelos danos causados;
  • Ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito subjetivo de somente responder, pelos seus atos, se os hipossuficientes provarem culpa...

A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente.

Desculpe-nos, mas é muito para nosso fígado’."

Interessante o seu parecer, inclusive pelo que prevê o Novo Código Civil quanto à responsabilidade do empregador ou patrão por ato do seu empregado, de natureza objetiva, conclusão retirada da simples leitura dos artigos 932, inciso II, e 933 da Lei nº 10.406/2002.

A Teoria do Risco Criado vem atender à lógica do direito, como bem posto pelo Magistrado Trabalhista citado no artigo supra, pelo que escapa ao razoável dizer-se que o empregador é objetivamente responsável pelos danos que o seu empregado vier a causar a outrem, e não o seja em relação aos danos que vier a causar diretamente ao empregado ao impor-lhe atividade sujeita a risco.

A questão merece ser melhor debatida, mas ao menos em um primeiro momento, entendo que é necessário compatibilizar o preceito constitucional, que institui a regra geral da responsabilidade subjetiva do empregador, com a Teoria do Risco Criado, aplicável somente àquelas hipóteses em que o acidente decorreu do desempenho de atividade de risco, nos moldes do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, até mesmo por igualmente constar do elenco dos direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal, XXII, “ a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Concluo que, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, em se tratando de atividade de risco, deve o empregador responder objetivamente pelos danos causados aos empregados, enquanto que nas demais atividades, imprescindível será a prova da culpa ou do dolo na configuração da responsabilidade civil.

Há diferença entre enriquecimento ilícito e enriquecimento sem causa?

De modo geral, essas duas expressões são utilizadas pela doutrina como sinônimos. Limongi França conceitua: "enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico" (FRANÇA, R. Limongi. Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987).
No entanto, há quem diferencie as expressões. Para Marcus Cláudio Acquaviva (Dicionário jurídico brasileiro. 9ª ed., ver., atual e ampl. - São Paulo : Editora Jurídica Brasileira, 1998), enriquecimento ilícito é o "aumento de patrimônio de alguém, pelo empobrecimento injusto de outrem. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso". Ao passo que enriquecimento sem causa "é o proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso de direito, ensejando uma reparação".


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